Texto trabalhado com algumas classes na reunião de pais da nossa EMEI, a partir das nossas dificuldades em educar as crianças para a cultura da paz, para o contato saudável com o outro, para a consciência ambietal e social. Precisamos das famílias conosco nessa difícil tarefa de lutar contra a mídia, o consumismo e o individualismo em favor de um mundo melhor!
O texto foi muito bem recebido pelos pais presentes, e partilhamos aqui com vocês também.
CORAGEM E AMOR
Por Professora Karina Cabral
Nos meus sonhos adolescentes, quando sonhava com a família que eu queria ter no futuro, eu pensava, em minha ingenuidade, que para ser mãe ou pai bastava ter muito amor. Afinal, o que mais uma criança pode querer ou precisar de um adulto, se não ser amada?
Mas bastou viver mais alguns anos para perceber que não é bem assim. Hoje, em pleno ano de 2012, estamos vendo crescidos os primeiros adultos da geração que foi criada só com amor. Educados com rigor, falta de diálogo e violência no passado, os pais e mães acharam que bastaria amar seus filhos para que fossem felizes. E o resultado é assustador. Estamos construindo um mundo estranho e triste, onde milhares de pessoas cansadas, sem ideais, ansiosas, deprimidas, agressivas tentam se entender umas com as outras, sem sucesso. Ter a carteira cheia de dinheiro é muito mais importante do que ser uma pessoa capaz de amar ao próximo. Conhecimento, cultura, reflexão viraram pura perda de tempo. Coisas como honestidade, caridade, respeito, fidelidade caíram em desuso. É muito fácil se destruir com drogas, bebidas, violência gratuita. Pouca gente se lembra de como conseguir as coisas sem mentir, trapacear, tirar vantagem. Esforçar-se, instruir-se, virou piada. É a mídia que dita quem é bonito e quem é feio, quem é esperto e quem é lerdo, quem é bem sucedido e quem é perdedor. E o consumismo e desperdício desenfreado estão acabando com o planeta e com as pessoas. Que cenário triste vai se pintando adiante para a humanidade…
Percebi que para criar um filho ou uma filha é preciso mais que amor. Muito mais que dinheiro. Muito mais que condições ideais. É preciso muita, mas muita coragem. E é por isso que suplico… Pais e mães, pelo amor que nutrem por seus filhos, tenham coragem!
Tenham coragem de não deixar que eles vejam de tudo na televisão, no vídeo game ou no computador. Violência, maus exemplos, besteirol, temas adultos, coisas que não acrescentam nada à educação das crianças pode e deve ser vetado por vocês. Tenham coragem também de pensar sobre as músicas que eles ouvem, as revistas que folheiam, os lugares onde vão. Tenham a coragem de parecerem antiquados o suficiente para garantir a infância de suas crianças, com toda pureza e alegria que ela precisa.
Pais e mães, tenham coragem de colocar regras claras e coerentes dentro de suas casas. Façam refeições saudáveis, de preferência juntos. Tenham horários para dormir. Tenham tempo para conversar. Tenham momentos em que todos os aparelhos – telefones, televisores, computadores – serão desligados para que vocês, como família, se liguem uns aos outros pelo contato, pelo afeto, pelo carinho, pelo olho no olho, pelo toque. Tenham coragem de desagradar suas crianças ao pedir que guardem o que espalharam, que limpem o que sujaram, que corrijam o que estragaram, que assumam o que disseram. Tenham a coragem de negar presentes, guloseimas, passeios, vontades, mesmo que tenham dinheiro para comprar o mundo inteiro.
Pais e mães, por favor, por este mundo que é nosso, tenham coragem de refletir sobre valores com seus filhos! Digam a eles que não é certo pegar o que é dos outros. Que não é bom rir ou caçoar de alguém em dificuldades. Que não temos só direitos, mas também deveres. Que ninguém tem sucesso puxando o tapete dos outros. Que não se resolve as coisas na pancadaria. Ajudem seus filhos a aprender que nada se consegue sem esforço, sem luta, sem planejamento… Sem ajuda. E ensinem também a agradecer quem os ajudou, e a pedir licença, e a pedir desculpas. Digam a eles que devemos respeito aos outros, tenham a idade, sexo ou história que tiverem. Que não se julga uma pessoa por sua aparência ou suas posses. Que não se desfaz de um amigo por uma vantagem qualquer. Que não nos envergonhamos de nossa origem e nem de nossa história. Tenham coragem de enfrentar seus filhos quando eles se zangarem. Não deixem que agridam as pessoas, que joguem coisas no chão, que gritem com quem mal conhecem. Ensinem a eles que quem tem razão fala baixo, sabe esperar e mantém a calma.
Pais e mães, tenham a coragem de rever a si mesmos para ser exemplo a seus filhos. Pensem duas vezes antes de xingar aquela pessoa no trânsito, antes de fofocar sobre a vida de outras pessoas, antes de discriminar alguém, antes de tratar mal quem os está servindo, antes de discutirem questões do casal agressivamente na frente de seus filhos. Afastem deles todo o vestígio de álcool, drogas, violência dentro de suas casas. Pensem bem antes de dizer uma coisa e fazer outra, antes de mentir, de fingir. Não desanimem de instruir, todos os dias, seus filhos sobre os perigos e coisas ruins do mundo. Cuidem do planeta, comprem menos coisas, reflitam mais.
Pais e mães, tenham coragem de ensinar a condição frágil da humanidade aos seus filhos! Digam a eles que nem tudo sempre vai dar certo, mas que estarão sempre perto para ampará-los, protegê-los, amá-los o quanto puderem. Digam que no mundo há dor, há tristeza, há maldade, há perigo. Digam que há dias difíceis, que há injustiças, que há coisas horríveis acontecendo, e a nós cabe não silenciar e lutar contra tudo que for ruim. Ensinem a essas crianças desprotegidas que precisam cuidar de si mesmas. Tratem-nas como bebês no coração, mas deixem que cresçam, que aprendam a comer, a se limpar, a amarrar os próprios cadarços, a viver as próprias experiências o quanto antes. Enxerguem os seus defeitos, suas limitações, suas dificuldades e deficiências, e por mais que seus filhos sejam especiais e únicos, deixem que convivam com outras pessoas para que aprendam que também são só mais uma pessoa na humanidade, como todas as outras.
Pais e mães, tenham coragem de assumir a educação de seus filhos. Não deixem para que a babá, a professora, o padre, o pastor, a televisão, a mídia ou outros jovens façam isso em seu lugar. São vocês, e ninguém mais, quem pode ensinar o que eles precisam saber; os outros são apenas parceiros, mas vocês são os responsáveis. Por isso, arrumem tempo e disposição para os seus filhos, para estar com eles, para acompanhá-los. Valorizem as experiências deles, ouçam, sorriam, entristeçam-se, mas não os abandonem por aí!
Acima de tudo, pais e mães, tenham coragem de encarar a realidade – ao embalar seus filhos, estão embalando o próprio futuro do mundo. Ter coragem é fazer deste mundo algo melhor do que é hoje. Ter coragem é amar. De verdade.